quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Fé e Razão: companhia possível?



A encíclica de João Paulo II, Fides et ratio, sinaliza para a clássica questão ainda vigente em nossos dias: fé e razão. São indissociáveis? Coadunam ou se repelem? É vida e morte que se duelam?
Diz-nos o papa já na introdução:
A fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio (cf. Ex 33, 18; Sal 2726, 8-9; 6362, 2-3; Jo 14, 8; 1 Jo 3, 2).
De  maneira alguma a fé se interpõe ao avanço da ciência. Isso, de fato, seria um absurdo e uma grande heresia, pois seria, em última instancia, uma afronta ao próprio Espírito de Deus  que, como dom  e vivificador da vida humana, interpela-o a querer e almejar sempre mais pelo conhecimento. Ambas, fé e ciência, são possibilidades, de viezes diferentes, mas que buscam tão somente a verdade. E esta, sem desmerecer uma ou outra via, faz-se conhecível. A fé é capaz de curar a ciência da prepotência e esta, por sua vez, impede a superstição que torna a fé im-pensável.
Nos últimos séculos, a contar da idade média, mais explicitamente, também preconceituamente conhecido como a Idade das trevas, a Igreja foi sendo confrontada com os conhecimentos científicos, e, com o advento da tecnologia, ela, em muitos momentos, é verdade, se enrijeceu e pareceu regredir no seu compromisso amigável em busca da verdade. Todavia, é preciso sempre de novo recordar-nos de que:
2. A Igreja não é alheia, nem pode sê-lo, a este caminho de pesquisa. Desde que recebeu, no Mistério Pascal, o dom da verdade última sobre a vida do homem, ela fez-se peregrina pelas estradas do mundo, para anunciar que Jesus Cristo é « o caminho, a verdade e a vida » (Jo 14, 6). De entre os vários serviços que ela deve oferecer à humanidade, há um cuja responsabilidade lhe cabe de modo absolutamente peculiar: é a diaconia da verdade. (1) Por um lado, esta missão torna a comunidade crente participante do esforço comum que a humanidade realiza para alcançar a verdade, (2) e, por outro, obriga-a a empenhar-se no anúncio das certezas adquiridas, ciente todavia de que cada verdade alcançada é apenas mais uma etapa rumo àquela verdade plena que se há--de manifestar na última revelação de Deus: « Hoje vemos como por um espelho, de maneira confusa, mas então veremos face a face. Hoje conheço de maneira imperfeita, então conhecerei exactamente » (1 Cor 13, 12).
Se hoje, século XXI, a Igreja se sente em muitas áreas ameaçada pelo conhecimento cientifico, ela precisa se recordar, sempre de novo, desta sua condição explicita de “diaconia da verdade”. Desse modo, mitigará qualquer pretensão de querer ser Senhora Ab-soluta da Verdade; de achar-se no patamar último do discurso e da  opinião sobre tudo. Esse tempo não existe mais. Não nos cabe, enquanto crentes, pretender discursar tenazmente sobre o que nos foge da área do conhecimento. Devemos estar ciosos das descobertas, interessados pelo avanço tecnológico, mas sempre nos dando o lugar que nos cabe: o do diálogo responsável, porém crítico, mas ainda assim dialogal. Nossa parcela de contribuição para com este mundo sempre mais desenvolvido e  revolucionalmente dinâmico é de nos colocarmos nas fileiras da interação, da partilha, do anúncio e da denúncia pertinente e em prol da vida humana.

17. Não há motivo para existir concorrência entre a razão e a fé: uma implica a outra, e cada qual tem o seu espaço próprio de realização. [...] Deus e o homem estão colocados, em seu respectivo mundo, numa relação única. Em Deus reside a origem de tudo, n`Ele se encerra a plenitude do mistério, e isto constitui a sua glória; ao homem, pelo contrário, compete o dever de investigar a verdade com a razão, e nisto está a sua nobreza. [...] O desejo de conhecer é tão grande e comporta tal dinamismo que o coração do homem, ao tocar o limite intransponível, suspira pela riqueza infinita que se encontra para além deste, por intuir que nela está contida a resposta cabal para toda a questão ainda sem resposta.
A teologia atual, por fim, capacita-nos para que, cônscios de nossas responsabilidades perante a construção humanística da sociedade, abramo-nos ao diálogo franco, sincero e fraterno com a ciência. Deixar-nos instruir pela capacidade inquestionável dos saberes já consolidados e não “demonizarmos” o que por ora vemos com prudentes ressalvas ou, quem sabe, criticamente discordamos. O importante, no fim de tudo, é que não falte a sensibilidade capaz de nos fazer recorda nossa condição primeva e podermos voltar resolutos em paz para a casa de nossa humanidade, tranqüilos e sóbrios. Estamos Apenas caminhando... Nada mais.
Claudemar Silva

Crédito da foto: http://www.hec.edu/var/fre/storage/images/media/images/fr/doctorat/ecrire/137904-1-fre-FR/Ecrire.jpg

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