Nossa época é profundamente marcada por três grandes questões
antropológicas: 1 – perda da identidade; 2
- de incertezas; 3 – de confusão. O homem é, indubitavelmente, seu ser e
significado filosófica, crítica e sistematicamente.
Ao abordarmos a
questão do Homem, colocamo-nos diante das grandes controvérsias ainda em vigor
na sociedade com relação à sua constituição. A reafirmação da espiritualidade e
da alma humana pode ser a superação do materialismo. O problema, segundo Sgreccia
que se coloca é o da “essência” do homem.
Para o
existencialismo, o aspecto mais humano do homem está na sua existência
(ex-sistere), o que caracteriza a sua separação do determinismo do mundo e
estar na sua singularidade única por meio da sua consciência e liberdade.
Todavia, é passível de questionamento esta concepção de existência: tomada no
homem concretamente, existente e realizada, apresenta-se como corporeidade e
espiritualidade ou simples corporeidade?
Perguntado
assim, “a queima roupa”, sem maiores indagações, pode nos parecer quase
irrelevante, mas, diante da morte, por exemplo, essa mesma questão ganha
contornos mais dramáticos e irrefutáveis, pois a morte é o que melhor e mais
tragicamente nos questiona quanto a isso, a saber, acerca da corporeidade do
homem.
Voltando-nos
para o tema em bioética, damo-nos conta de que a medicina e, portanto o médico,
luta diariamente contra ela, a morte. Nas abordagens terapêuticas, médicas,
realidades como a violência, a dor, a eutanásia, o aborto se levantam como uma
interrogativa do fim teleológico da morte: ela põe fim ou abre expectativas à
vida?
Filosoficamente
podemos dizer: na relação eu-tu/nós, não basta está em acento a questão
relacional. A vida pede algo mais, pois há um pressuposto metafísico a permear
toda relação e “exigir” evidência. Eis, de novo, a questão que se repropõe: que
é o Homem?
Na Grécia
antiga, uma escola de filósofos afirmava que “a natureza do corpo é o princípio
do discurso em medicina” (Cos, séc. V a.C). Assim, o corpo é, para a medicina,
como o “objeto-mor” de suas pesquisas e sobre o qual ela, deliberadamente, se
debruça.
Todavia, ao se
aproximar de um corpo doente, o médico sabe (presume-se) que se aproxima de uma
pessoa. O corpo daquele “fenômeno” não é objeto, mas sujeito. É uma inversão
antropológica. Com relação às visões sobre o corpo, ao longo da evolução do
pensamento humano, a filosofia é quem melhor nos relata as nuances que esta
concepção ganhou ao longo dos tempos.
Platão
afirmava, dentre outras coisas, que havia uma união acidental do corpo e da
alma. Aquele, obstáculo à elevação da alma, tornava-a prisioneira sua. Esta,
por sua vez, embora impedida de elevar-se, era eterna e divina.
Aristóteles,
por sua vez, afirmava a relação “substancial” de “forma” e “matéria”, “ato” e
“potência”. A alma atualiza o corpo e o faz ser corpo humano. O corpo é matéria
estranha por origem e posta ao espírito. A alma não se identifica com o corpo,
permanecendo estranha a ele, porém, identificando-se com a divindade. A visão
aristotélica do corpo é organicista. Na unificação, a alma perde consistência e
o corpo ganha destaque.
Para os estóicos, o corpo é um
obstáculo ao qual o divino é substancialmente estranho e ao qual o espírito
está acidentalmente unido (o suicídio dos filósofos desta escola era freqüente
e visto como um ato de racionalidade e liberdade).
Na temática cristã, bíblica, a
criação torna o homem unitário em sua origem e fim. Ele é “imagem e semelhança
de Deus”, tendo sua vida associada à vida do Criador, torna-se, com Ele,
co-autor e responsável pela obra criada. O corpo humano é receptáculo do
Espírito deste mesmo criador, sobre o qual Deus insuflou o seu hálito.
No triunfo do racionalismo,
desponta René Descartes: para o Filósofo, embora unidos, o corpo e alma se
diferem por essência e valor: o corpo é máquina (instrumento) e o espírito é
consciência. Para Descartes, o corpo pode ser explicado, sem necessidade da
alma. Com Marx e Marcuse, além de Sartre, o corpo ganhou visão reducionista e
amplamente política. Na visão desses autores, o corpo é submetido à espécie e à
sociedade e só se entende por esta e em ação com ela.
Segundo Sartre, “o corpo exaure
a totalidade do homem”, isto é, ele, o homem, é realmente corpo e só. Ora, como
ignorar as grandes inquietações humanas e pertinentes da vida humana que estão
para além do corpo, ainda que passem por ele ou sobre ele tenham ressonância?
Sem dúvida, o homem é corpo, mas é mais, amplamente mais.
Para Marcuse, “o corpo é o
lugar, além do meio, da libertação... retomar o corpo como seu é fazer com que
seja ele o lugar do prazer, do jogo e da expressão de tudo aquilo que possa
ser”. É uma visão restritiva do ser humano, pois o limita ao seu corpo, tão
somente, enquanto o poderia alargar, evidenciando-lhe suas reais
possibilidades.
Na psicologia, por outro lado,
podemos destacar correntes como behavorismo e a psicanálise que, debruçando
unicamente sobre o mistério da psique humana e do “corpo vivido”, por meio das
dinâmicas do inconsciente e das pressões sociais, além do estudo do
comportamente. Todavia, apesar do enorme contributo que deram para o
entendimento da pessoa humana, permanecem na visão temporalista do homem.
E nós queremos ir além deste.
Por Claudemar Silva.
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