domingo, 26 de fevereiro de 2012

O Homem e sua corporeidade



Nossa época é profundamente marcada por três grandes questões antropológicas: 1 – perda da identidade; 2  - de incertezas; 3 – de confusão. O homem é, indubitavelmente, seu ser e significado filosófica, crítica e sistematicamente.
                Ao abordarmos a questão do Homem, colocamo-nos diante das grandes controvérsias ainda em vigor na sociedade com relação à sua constituição. A reafirmação da espiritualidade e da alma humana pode ser a superação do materialismo. O problema, segundo Sgreccia que se coloca é o da “essência” do homem.
                Para o existencialismo, o aspecto mais humano do homem está na sua existência (ex-sistere), o que caracteriza a sua separação do determinismo do mundo e estar na sua singularidade única por meio da sua consciência e liberdade. Todavia, é passível de questionamento esta concepção de existência: tomada no homem concretamente, existente e realizada, apresenta-se como corporeidade e espiritualidade ou simples corporeidade?
                Perguntado assim, “a queima roupa”, sem maiores indagações, pode nos parecer quase irrelevante, mas, diante da morte, por exemplo, essa mesma questão ganha contornos mais dramáticos e irrefutáveis, pois a morte é o que melhor e mais tragicamente nos questiona quanto a isso, a saber, acerca da corporeidade do homem.
                Voltando-nos para o tema em bioética, damo-nos conta de que a medicina e, portanto o médico, luta diariamente contra ela, a morte. Nas abordagens terapêuticas, médicas, realidades como a violência, a dor, a eutanásia, o aborto se levantam como uma interrogativa do fim teleológico da morte: ela põe fim ou abre expectativas à vida?
                Filosoficamente podemos dizer: na relação eu-tu/nós, não basta está em acento a questão relacional. A vida pede algo mais, pois há um pressuposto metafísico a permear toda relação e “exigir” evidência. Eis, de novo, a questão que se repropõe: que é o Homem?
                Na Grécia antiga, uma escola de filósofos afirmava que “a natureza do corpo é o princípio do discurso em medicina” (Cos, séc. V a.C). Assim, o corpo é, para a medicina, como o “objeto-mor” de suas pesquisas e sobre o qual ela, deliberadamente, se debruça.
                Todavia, ao se aproximar de um corpo doente, o médico sabe (presume-se) que se aproxima de uma pessoa. O corpo daquele “fenômeno” não é objeto, mas sujeito. É uma inversão antropológica. Com relação às visões sobre o corpo, ao longo da evolução do pensamento humano, a filosofia é quem melhor nos relata as nuances que esta concepção ganhou ao longo dos tempos.
                Platão afirmava, dentre outras coisas, que havia uma união acidental do corpo e da alma. Aquele, obstáculo à elevação da alma, tornava-a prisioneira sua. Esta, por sua vez, embora impedida de elevar-se, era eterna e divina.
                Aristóteles, por sua vez, afirmava a relação “substancial” de “forma” e “matéria”, “ato” e “potência”. A alma atualiza o corpo e o faz ser corpo humano. O corpo é matéria estranha por origem e posta ao espírito. A alma não se identifica com o corpo, permanecendo estranha a ele, porém, identificando-se com a divindade. A visão aristotélica do corpo é organicista. Na unificação, a alma perde consistência e o corpo ganha destaque.
                Para os estóicos, o corpo é um obstáculo ao qual o divino é substancialmente estranho e ao qual o espírito está acidentalmente unido (o suicídio dos filósofos desta escola era freqüente e visto como um ato de racionalidade e liberdade).
                Na temática cristã, bíblica, a criação torna o homem unitário em sua origem e fim. Ele é “imagem e semelhança de Deus”, tendo sua vida associada à vida do Criador, torna-se, com Ele, co-autor e responsável pela obra criada. O corpo humano é receptáculo do Espírito deste mesmo criador, sobre o qual Deus insuflou o seu hálito.
                No triunfo do racionalismo, desponta René Descartes: para o Filósofo, embora unidos, o corpo e alma se diferem por essência e valor: o corpo é máquina (instrumento) e o espírito é consciência. Para Descartes, o corpo pode ser explicado, sem necessidade da alma. Com Marx e Marcuse, além de Sartre, o corpo ganhou visão reducionista e amplamente política. Na visão desses autores, o corpo é submetido à espécie e à sociedade e só se entende por esta e em ação com ela.
                Segundo Sartre, “o corpo exaure a totalidade do homem”, isto é, ele, o homem, é realmente corpo e só. Ora, como ignorar as grandes inquietações humanas e pertinentes da vida humana que estão para além do corpo, ainda que passem por ele ou sobre ele tenham ressonância? Sem dúvida, o homem é corpo, mas é mais, amplamente mais.
                Para Marcuse, “o corpo é o lugar, além do meio, da libertação... retomar o corpo como seu é fazer com que seja ele o lugar do prazer, do jogo e da expressão de tudo aquilo que possa ser”. É uma visão restritiva do ser humano, pois o limita ao seu corpo, tão somente, enquanto o poderia alargar, evidenciando-lhe suas reais possibilidades.
                Na psicologia, por outro lado, podemos destacar correntes como behavorismo e a psicanálise que, debruçando unicamente sobre o mistério da psique humana e do “corpo vivido”, por meio das dinâmicas do inconsciente e das pressões sociais, além do estudo do comportamente. Todavia, apesar do enorme contributo que deram para o entendimento da pessoa humana, permanecem na visão temporalista do homem.
E nós queremos ir além deste.

Por Claudemar Silva.

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