quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

BIOÉTICA E DOGMATISMO RELIGIOSO: A IMPOSSIBILIDADE DO DIÁLOGO



Sendo a bioética constituída por diversas áreas do conhecimento humano, as religiões podem e devem assumir a responsabilidade de se pronunciar a respeito das muitas questões que dizem respeito à vida em todas as suas dimensões. No entanto, as vozes religiosas, se carregadas de dogmatismo e des-fundamentação, não podem de maneira alguma esperar que as outras vozes presentes no diálogo bioético lhe deem crédito.
                É comum, em meio às abordagens de questões bioéticas, discursos religiosos (cristãos) apresentarem seus pontos-de-vista pautando-se na Palavra de Deus, valendo-se dela como se fosse Deus mesmo se pronunciando naquele exato momento sobre determinado assunto polêmico. A Palavra absolutamente fora de seu contexto implícito e de seu contexto real, acaba sendo refém do fundamentalismo religioso no campo da bioética, torna-se objeto apreendido pela “ciência” do discurso das religiões: “não pode isso, pois a na Bíblia fala aquilo”. Ora, a maioria das questões com as quais a bioética atualmente se ocupa são absolutamente inimagináveis biblicamente. No entanto, há muito de dogmatismo religioso valendo-se de hermenêuticas equivocadas dos textos bíblicos a dificultar a reflexão em torno dos problemas atuais que dizem respeito à vida.
                Aos que insistem em provar através de textos bíblicos recortados que sua posição é a verdadeira no campo do diálogo interdisciplinar, vejam o que é possível fazer utilizando este mesmo método:
“... o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem prometida em casamento a um homem de nome José, da casa de Davi.A virgem se chamava Maria.[...]
 O anjo, então, disse: [...] ‘conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus’.[...]
Maria, então, perguntou ao anjo: ‘como acontecerá isso, se eu não conheço homem?’
O anjo respondeu: ‘ o Espírito Santo descerá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer será chamado santo, Filho de Deus’”. (Lc 1,26-35).
Pois bem, acabamos de ver que o nascimento de Jesus não foi natural, assim como não o são outros métodos atualmente possíveis de se gerar uma criança. Logo, se Jesus não nasceu ao modo natural, logo Deus permite que vidas humanas venham ao mundo via técnicas de reprodução.
Entender este texto ao pé da letra em nenhuma hipótese incorrerá em excomunhão do fiel de nenhuma igreja cristã. É facilmente aceitável. A doce e aprazível piedade popular passiva... Ora, o texto de Lucas não é uma descrição de fatos históricos, mas sim um texto com profundo significado teológico-existencial. E este texto “lido ao pé da letra”, não considerando Jesus como filho legítimo-natural de José é por em questão a nossa fé na encarnação: como pode ser verdadeiramente homem se a própria concepção está fora do padrão da concepção humana?
Cuidemos para que nosso discurso seja teológico, fruto de um discernimento feito à luz da Palavra de Deus, ao invés de um discurso dogmático no qual a Palavra é  manipulada para provar nossas convicções. Não é possível entrar em um diálogo [seja ele qual for, mas neste caso o diálogo em torno da bioética] com uma visão fechada, petrificada, inalterável. E geralmente tem sido esta a postura das instituições religiosas cristãs frentes às interrogações de nossos tempos.  Por Alfredo Viana Avelar (aluno)

Créditos das figuras:
http://www.crystalinks.com/intelligentdesign.jpg
http://www.ebsqart.com/Art/Personal-Gallery/Acrylic/591713/650/650/Mother-Mary-Angel.jpg

Um comentário:

  1. Alfredo, chamou-me a atenção este texto. O mesmo, além de manter a estrutura: começo, meio e fim,levanta questionamentos ousados. Realmente vê-se com freqüência, pessoas manipular o texto bíblico, colocar-se frente à ele como se fossem detentores da verdade de Deus. Infelizmente, utilizam-o para fundamentar idéias particulares, saindo em defesa daquilo que lhe é conveniente. Um exemplo básico,são as pregações de pregadores. Se você vai a uma igreja, está o pregador a dizer: isto quer dizer isto. Em um outro local está outro com a mesma passagem bíblica dizendo, isto não quer dizer isto, diz é aquilo. E conforme o discurso, o indivíduo convence e se for o caso realiza aquilo que tem em mente. Mas é claro que entre esses "malucos" há pessoas que esforçam para serem entenderem a linguagem bíblica, como linguagem de vida, de teologia. Os teólogos desta linha podem ajudar muito nas discussões dos desafios que enfrenta a bioética. São os teólogos que fazem teologia no espaço público conforme Moltmann. Acreditam na força do Evangelho, e por isso, não se eximem dos foruns das discussões, de falar a linguagem pública. É uma teologia que deixa-se desafiar pelos questionamentos.

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