sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Questão de tempo


Conheço uma religiosa australiana que acompanha refugiados de umas ilhas da Oceania.  Os refugiados não são vítimas de perseguição política, religiosa nem racial.  O problema deles não tem nada a ver com o governo dos seus países; pelo contrário, o problema deles é que os próprios países, que eram ilhas no Oceano Pacífico, sumiram quando o nível do oceano subiu.  São vítimas diretas do aquecimento global, portanto, são vítimas indiretas de todos nós, na medida que contribuímos com esse fenômeno (incluindo por nossos pecados de omissão, na medida que não lutamos contra as causas do fenômeno).

A cada ano aumentam as « catástrofes », e cada ano as consequências dessas catástrofes têm causas menos naturais.  No seu livro Disaster Capitalism, a Naomi Klein documenta como a lógica das guerras (e das bolsas de valores) é aplicada na gestão dessas catástrofes.  Assim como em Baghdad, foi criada uma « zona verde » (com água, eletricidade, comunicações e segurança) e outra « vermelha » (salve-se quem poder), o mesmo aconteceu em Nova Orleans depois do furacão Katrina, e em Porto Príncipe depois do terremoto.  Não é necessário dizer quem tem o privilégio de morar na zona verde e quem é abandonado na vermelha; são os mesmos de sempre.  Mas, além da desigualdade que grita para o céu, é uma ilusão (dos moradores da zona verde) achar que vai continuar sendo possível viver desse jeito.

Minha terra, Miami, é plana e fica no nível do mar.  Às vezes fico pensando que é só questão de tempo até que minha família tenha que fugir do mesmo jeito que os refugiados da Oceania.  Será que vamos ficar de braços cruzados quando assistimos o que está acontecendo na Amazônia (com as hidrelétricas e as madeireiras numa região que, além de pertencer a nações indígenas, é pulmão do mundo, fonte de água da humanidade e conservatório da biodiversidade) e em Panamá (com a mineração em terra dos indígenas Ngäbe-Bugle), por exemplo, dispostos a agir só quando chegar a nossa própria hora de sofrer?  Existe uma reflexão famosa de um alemão que viveu na época do nazismo, que reflete sobre essa atitude.   Diz que quando começaram matar os judeus, ele não fez nada, porque não era judeu.  Então começaram matar os ciganos, mas ele não fez nada, porque não era cigano.  E assim por diante… até que vieram por ele, e já era tarde, porque não tinha mais ninguém que poderia defendê-lo.  A situação que nós vivemos hoje, embora menos evidente, não é tão diferente assim.  (Emilio – aluno).

Crédito da figura: http://www.dreamstime.com/time-s-running-out-western-earth-thumb4856240.jpg

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