quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

A Discussão sobre o Aborto, a partir de Roque Junges - Parte III

O paradigma Relacional


Se tivéssemos em mente apenas a questão jurídica, teríamos mais argumentos para a defesa do aborto. “Só tem direito quem é reconhecido como sujeito, participa do contrato e, portanto, está sob a tutela da lei.” A mulher em gestação seria, portanto a detentora dos direitos, enquanto o feto, não teria direito algum, pois é um ser individuado, mas não um sujeito. Agora, sob o paradigma relacional, a questão superaria uma jurisdição preocupada com os direitos de um ou outro polo, para pensar estes polos em relação[1]
Mas que tipo de relação há entre a mulher gestante e o embrião? E se cedemos à casuística; se a mulher foi estuprada, por exemplo, as possibilidades de relação não ficam ainda mais prejudicadas? Mas como um polo da questão tem mais condições de exercer seus direitos, tem também mais condições de assumir responsabilidades; é o único modo de corrigir, ou de gerar equidade para o outro polo que é indefeso. Mas entra novamente em questão o estatuto do embrião. A individualidade, que muitos vêm no embrião, a partir de uma perspectiva morfológica não quer dizer identidade porque, para tantos, a individualidade, de fato, é fruto de uma auto-construção.[2] Por outro lado, que condições um indivíduo teria de construir sua identidade, se enquanto indivíduo (morfologicamente falando) ele é impedido de nascer?
Em termos levinasianos, o embrião não é um rosto. Mas é nessa assimetria que a justiça não poderia se perder. Para Levinas, acolher o outro como outro é despossuir o ego do poder de pôr condições ou de tentar definir o outro[3]. Nesse sentido, a ética começaria por uma assimetria, sempre. O que possibilitaria uma relação ética com o embrião, porque partiria também de uma assimetria, permitindo a posterior simetria que o direito assumiria[4].
O modo mais abrangente, que leve em conta o debate e as discussões a respeito do aborto, tem que considerar a rede de relações em que se encontra a vida da mulher grávida e a rede de relações em que está a discussão sobre o estatuto do embrião, que superam questões meramente religiosas, já que possui pressupostos filosóficos e antropológicos. A questão deve ser tratada levando em consideração a sexualidade humana, a prevenção, os fatores socioculturais e socioeconômicos e deve ser resolvido nas raízes, não de modo superficial. [fim] Por Eduardo rodrigues (aluno).


[1] Cf. Ibid., p. 156
[2] Cf. Ibid.
[3] Cf. LEVINAS, E. Totalidade e infinito. Ensaio sobre a exterioridade. Lisboa, Edições 70, 2000
[4]Cf. JUNGES, J.R. Bioética: Hermenêutica e Casuística. São Paulo: Loyola, 2006. p.157.

Nenhum comentário:

Postar um comentário