No meu primeiro post, lembrava que todo saber e toda interpretação (hermenêutica) acontece necessariamente em corpos humanos sexuados. Esse fato de encarnação tem pelo menos duas consequências epistemológicas (sem deixar de ser éticas e políticas) que a bioética deve levar em conta. Ambas as consequências são desenvolvidas (embora não com conexão explícita à bioética) pela psicanalista feminista, Luce Irigaray, no seu livro This Sex Which Is Not One (Esse sexo que nao é um).
Irigaray argumenta que (1) a sexualidade, intimamente vinculada ao corpo (embora não determinada por ele), constitui uma dimensão importante da interpretação, e que (2) o « olhar » privilegiado na tradição ocidental de interpretação tem sido o olhar masculino. Esse olhar masculino é aquele que procura “captar” (dominar) seu objeto, privilegiando a medição e a comparação para eliminar toda diferença, reduzindo o outro a si. É o olhar falocrático do princípio da não contradição, o olhar da metafísica e da ciência, dos projetos lineares com alvos de singularidade.
A interpretação feminina (aquela que tem como fonte a sexualidade da mulher, embora pode ser encarnada por qualquer pessoa, assim como tem muitas mulheres que interpretam com um abordagem masculino), tão reprimida na nossa tradição, tem outra lógica – outro jeito de perceber – que pode nos enriquecer. Em vez de privilegiar a “potência produtiva” em termos de formas com volume, a interpretação feminina (segundo Irigaray) percebe em termos de “prazer”, e o prazer feminino tem a ver com a “proximidade” de superfícies, onde a distinção de identidades (e por tanto de unidades de propriedade particular, e dos seus donos) é difusa. Não precisa escolher entre o prazer do clitóris e o da vagina; exatamente a simultaneidade das carícias provoca um prazer sem comparação e sem medida unitária.
Irigaray luta por um mundo no qual seja possível a relação mútua dos sexos (e das epistemologias sexualmente condicionadas – que não precisam ser limitadas a um binário, mas podem ser múltiplas) em condições de equidade e liberdade. A bioética, tanto por causa da sua preocupação com o sentido localizado no corpo humano como por causa da complexidade das questões que aborda, é um campo que poderia aproveitar muito de se abrir a uma tal interação epistemológica. Num sentido, significaria uma aplicação da bioética ao seu próprio fundamento. (Emilio – aluno).
Crédito da foto: http://27.media.tumblr.com/tumblr_l0s7brcpfo1qbo7nso1_500.jpg
Penso que de fato não é possível uma compreensão do ser humano, sem um ou vários pontos de vista do "olhar feminino", haja vista o que temos de estudiosos do sexo masculino favoreçam apenas a um olhar unilateral que, quer queira ou não, possuem tendência natural para aviliar suas conjecturas diante de sua percepção masculina.
ResponderExcluirA "relação mútua dos sexos", partindo de um olhar feminino, promove então consideravelmente uma hermenêutica de horizontes mais amplos dentro inclusive da bioética.
Irigaray, parece-nos, tem muito para contribuir com essa "interpretação feminina" e Emílio ao apresentar-nos sua visão, promove esse outro olhar que pode não tanto e mais além, quanto e mais, estar de "maõs juntas" para uma bioética mais universal que supere a distinção de sexo.
valeu!
Hugo Galvão