A parábola do Bom Samaritano [1] (Lc 10,
25-37) nos ensina que frente à doença, ao sofrimento e à fragilidade humana, a
primeira atitude que devemos tomar é a proximidade. Como afirma Levinas, “a proximidade do próximo é minha
responsabilidade por ele: aproximar-se é tornar-se responsável pelo seu irmão;
ser responsável por seu irmão é ser seu refém. A imediatidade significa isso. A
responsabilidade não vem da fraternidade, mas é a fraternidade que nomeia a
responsabilidade por outrem, aquém da minha liberdade”[2]
A proximidade não está no saber e
tampouco na reciprocidade. Proximidade é não-indiferença à presença do rosto do
outro que me olha, por isso, “não se reduz nem à representação do outro, nem à
consciência de proximidade”[3]. A
proximidade do meu próximo despoja a consciência de sua iniciativa, e “me
coloca diante de Outrem em estado de culpabilidade”[4]. Assim a proximidade torna-se o lugar no qual
se tece todo compromisso.
Tornar-se
próximo implica tornar-se vulnerável. Aproximar-se é deixar-se afectar por
aquele de quem nos aproximamos. A ética samaritana tem muito a nos dizer diante
da realidade desafiadora da saúde pública no Brasil. Os sete verbos principais da
parábola indicam uma prática concreta para levarmos a efeito nossa
responsabilidade diante da saúde pública. Vejamos quais os verbos:
1.
Ver. A primeira atitude do Samaritano que descia pelo caminho foi enxergar
a realidade. Ela não ignorou a presença do homem caído, de alguém que teve seus
direitos violentados e que se encontrava do lado de fora do caminho. Não
podemos ficar indiferentes diante da dura realidade da saúde pública no Brasil.
2.
Compadecer-se. O samaritano viu e teve compaixão. Deixou-se tocar pela presença
do violentado, quase morto. Essa capacidade de se deixar envolver pela
realidade, pela necessidade do outro, desencadeou no samaritano as demais
atitudes. Compadecer não é ter dó, à distância. É deixar-se interpelar pelo
rosto do outro que diz: cuida de mim!
3. Aproximar-se. O samaritano
aproxima-se do homem caído. Vai ao seu encontro, não passa adiante. Assume o
problema como se fosse seu, se envolve e procura meios de ajudar. Aproximar é
tornar-se responsável pelo meu próximo que se apresenta nu e desprotegido no
outro que se diz no rosto e faz com que o “eu”
passe a ocupar-se da justiça a se fazer ao rosto.
4.
Curar. A presença do outro exige cuidado. Para o samaritano a aproximação,
a compaixão não são simples sentimentos. Elas o levam a lançar mãos dos
elementos disponíveis que ele tem para curar o doente: vinho e azeite. A CF
2012 está perguntando a cada um de nós o que podemos disponibilizar para
melhorar a qualidade da saúde pública em nosso meio? Temos colocado a ciência e
a tecnologia a serviço de todos?
5.
Colocar no próprio cavalo. O samaritano coloca a serviço do outro os
próprios bens, a sua condução. Ele troca de posição com o outro. Este outro era
um desconhecido. A solidariedade do samaritano não tem fronteiras de raça,
religião ou parentesco. O que deve motivar, de modo especial, nosso
envolvimento na melhoria da saúde pública é o bem comum de todos e não o nosso
interesse pessoal.
6.
Levar à hospedaria. O samaritano não só vê, aproxima-se, cura e coloca no
próprio animal, mas chega a mudar seu itinerário de viagem. Ele se adapta para
poder atender aquele que estava caído. Ele mobiliza e envolve pessoas,
estruturas para recuperar a saúde do outro que está caído à beira do caminho. O
trabalho social exige parcerias. O importante é que os direitos dos que sofrem
sejam reconhecidos e respeitados.
7. Cuidar. Cuidar não é um ato
individual. Trata-se de um cuidado coletivo: envolve outras pessoas, recursos
financeiros, hospital e compromisso de voltar. O samaritano prossegue sua
viagem, mas com um compromisso a mais que não pode ser ignorado. Ele torna-se
devedor do outro. isto é, a nudez do rosto que se apresenta diante de mim, a
sua miséria e indigência já é uma exigência que não posso não responder. Pois
“o rosto impõe-se a mim sem que eu possa permanecer surdo a seu apelo, ou
esquecê-lo, quero dizer, sem que eu possa cessar de ser responsável por sua
misérias”[5]. Noutras
palavras, ser responsável pelo outro antecede minha liberdade, é obrigação.
Poderíamos
definir a ética samaritana como uma ética do cuidado e da responsabilidade pelo
outro. Este cuidado que vai além do legal e obriga para além do contrato. “E isso não é coisa de
outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela [vida] não seja
nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura enquanto
durar” (Cora Coralina). Por Rodrigo Ferreira da Costa (aluno)
Crédito pela figura: http://picturesofjesus4you.com/ethnic/good_samaritan_sawyer_l.jpg
Rodrigo, tocas em um ponto importante, a questão da solidariedade. Ora, essa parábola do bom samaritano, exorta-nos a tornar mais aguda a consciência do dever de solidariedade. Solidariedade que supera as barreiras da indiferença, sobretudo, diante dos aviltados do sistema público de saúde, dos falsos ídolos do poder opressor e egoísta. Uma solidariedade que desperta em nós a vontade de viver uma santidade política caritativa, assumindo o destino dos sofredores espezinhados. Vejo, a urgente necessidade de uma ética que nos ajude a compreender que na humanidade, cada pessoa é parte, e por isso, tem o dever de cuidá-la, protegê-la. Oxalá se a ética apontada na perícope: amorosidade, generosidade, cuidado, solidariedade fosse assumida nos afazeres cotidianos de todos, inclusive de que trabalha na saúde! Que a CF 2012, possa despertar e revisar em todos nós a ética do cuidado e da proteção e adormeça a indiferença que assola e mata. A nossa opção pela vida fortalece pelo nosso testemunho!
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