quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Nosso discurso precisa de mais equilíbrio



"A Igreja católica, observa J.Y. Calvez, fala com nuanças do social e de modo bastante brusco do sexual. No primeiro caso, ela distingue no julgamento moral vários níveis, cuidando para no se confundir. A autoridade não pretende se pronunciar igualmente em todos os níveis ou com a mesma força. No domínio da moral sexual, a Igreja aparentemente não distingue os mesmos níveis e a linguajem adotada é sobretudo um linguagem de normas, de licitude e de ilicitude. [1]

Depois de ler a frase, e relacioná-la com os temas da bioética, lembrei-me do fácil que é para nós, como Igreja, expressar uma opinião sobre temas como a concepção artificial ou o aborto, mas temos muita cautela de falar sobre temas como a exclusão de uns seres humanos por outros. Não é minha intensão discutir qual é mais importante, mas ajuda-nos a refletir sobre a necessidade de ter uma mesma inteligência e sensibilidade ao falar desses temas. Desejo advogar por um novo equilíbrio.

Falar de questões polémicas da ciência e da tecnologia exige um nível mínimo de formação nessas áreas e também em filosofia e teologia. E não de modo geral, senão específico sobre temas que são de nosso particular interesse. Aliás, é importante ter precaução de não nos deixar levar pelas próprias paixões, pois só conseguiremos fechar toda porta ou janela de diálogo com os que dissentem das nossas convicções. Por exemplo, o tema da pesquisa biomédica a partir da manipulação de embriões ou sobre a licitude ou ilicitude do aborto, que está relacionado à discussão em que momento da gestação humana se fala de um ser humano ou também sobre os riscos de vida da madre e do feto. São temas complexos, que nos atingem quase sempre a través da mídia, que se encarrega de propaga-los e que tocam a indignação apaixonada de muitos de nós, que somos parte da Igreja. Aqui, ajudar-nos-ia um pouco mais de cautela.

Por outro lado, outras questões científico tecnológicas, como as patentes das transnacionais farmacêuticas, a manipulação genética de sementes ou o desenvolvimento das tecnologias armamentistas não parecem despertar o mesmo interesse de nós como Igreja. E são realidades que atingem o cotidiano da vida, ou a morte, de milhões de seres humanos. Milhões são os que padecem de AIDS na África e na Latino-América, mas não podem adquirir os remédios necessários por seu alto custo, sem falar da limitações de nossos sistemas de saúde para facilitar remédios para outras doenças mais comuns. Outro tanto de agricultores depende da indústria transnacional das sementes manipuladas geneticamente e dos agroquímicos, colocando em mãos exógenas nossa seguridade alimentar e, às vezes, condenando as espécies nativas ao extermínio. Milhões de dólares movimenta a indústria[2] das armas financiada por guerras injustas (Iraque) ou pelo dinheiro de países pobres destinados á compra de armas. Sem falar da indústria química das drogas ilegais, um tema que cada dia gera mais polémica, pelas mortes que vão junto e pela questão de se regularizar legalmente ou não seu desenvolvimento e comércio. Qual é a nossa postura como Igreja frente a estes temas? Que se fala dele na nossa Igreja?

Depois desse panorama, temos que ter um novo equilíbrio na Igreja. Mostrar mais apertura para tratar a primeira categoria de temas, relacionados com a biomedicina, e ter um pouco mais de suspeita e força quando se trata sobre a segunda categoria de temas, ciências e tecnologias que aumentam a concentração do capital e a dependência dos países pobres. Contrário ao que tem sido nossas opções históricas.[3] Por Mario E. Cornejo Mena (aluno).

Crédito da figura: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg9-QXVYtknLqE4Na5huHAa77nOkO9sDqTj6S5NTLIArk6DvL1pP8rp1PXbeR9WVCFPavC8GI-XeMe0u8i7eGBiIKULqMmru7fW0Fr7LP8ED0bPFICJB4WniKTMIGYL9VwPVkhgxGPV0OcF/s1600/dialogo.jpg


[1] Sesboüe, Bernard (dir). História dos dogmas. O Homem e sua salvação (séc. V-XVII). São Paulo: Loyola, 2003, p. 404, V. 2.
[2] Baseadas numa ciência e tecnologia desenvolvida no primeiro mundo, graças a investimentos bilionários.
[3] “... a primeira ‘questão’ [social] foi integrada no terreno mais amplo da ética social, e seu tratamento se fez mais filosófico; a segunda foi logo tratada ao mesmo tempo que a penitência, e se aproximou das ciências humanas. Essas novas proximidades explicam a diferença das abordagens, mais aberta na primeira e mais suspeitosa na segunda. Mais ainda: a regulação dos discursos parece diferente segundo se trate da sociedade ou da sexualidade.” Ibid., p. 405

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