quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

A pele que habitamos



A pele que habito (2011), um filme de Pedro Almodóvar, narra a historia de um rico e bem sucedido cirurgião plástico –além de cientista- que faz justiça com as suas próprias mãos. A filha dele é estuprada por um jovem. Um trauma da jovem que se soma a outro: ter estado presente no suicídio da própria mãe. O médico decide sequestrar o jovem e fazê-lo passar por diversas cirurgias de cambio de sexo, é a forma que encontra de fazer justiça.
A história continua e se desenvolve com complexidade, mas é essa parte do drama que nos interessa para o texto presente. Um homem, profissional, rico e de boa fama perde o controle da própria vida depois de duas fortes tragédias, a perda da mulher e da filha. Para recuperar “a paz”, ele decide aproveitar em seu próprio beneficio os conhecimentos, a riqueza e o poder que tem. Sem importar a leis, decide-se por seguir o que seu instinto lhe pede para seu próprio benefício. Nele acontece uma delicada congruência: conhecimento, dinheiro, fama e poder.
Um personagem de um filme próximo a nossa realidade histórica. Lembremos dois exemplos históricos. Os nazistas realizaram diversos experimentos com os prisioneiros dos campos de concentração com o fim de ajudar ao pessoal militar durante situações de combate ou naquelas que resultassem feridos; também, os testes tinham o objetivo de provar a superioridade ária[1]. Os nazistas, com tal de conseguir seu objetivo, criaram uma ideologia que lhes justificou utilizar seres humanos para seu próprio beneficio. Esqueceram toda barreira ética, na sua lógica totalitarista, aumentar o poderio e as riquezas justificou todo avanço científico, a pesar de utilizar vidas humanas para consegui-los.
Mas a história do filme não só lembra a história dos regimes totalitaristas. Nos anos 40’s, médicos dos Estados Unidos quiseram experimentar se a penicilina era efetiva contra algumas doenças venéreas, como a sífilis e a gonorreia. Eles decidiram experimentar com seres humanos, mas não de nacionalidade estadunidense, optaram por um país da América Central: Guatemala. Nesse país umas 1500 quinhentas pessoas foram inoculadas de enfermidades venéreas sem seu consentimento. O procedimento era conhecido pelo Escritório Sanitário Panamericano, futura Organização Pan-americana para a Saúde (OPS).[2] Novamente descobrimos como uma nação poderosa e rica abusa de seres humanos “descartáveis” para conseguir um beneficio para si próprio[3]. Até no mundo “civilizado” ocidental democrático esquece-se intencionalmente de toda ética com tal de lograr um avanço científico.
No filme A pele que habito descobre-nos a importância da bioética e de organismos encarregados de vigiar e orientar o desenvolvimento científico e tecnológico. Neste ponto, fala-se não só das nações, mas também das poderosas transnacionais, por exemplo, daquelas do setor farmacêutico e alimentar. É importante lembrar constantemente que todo avanço científico e tecnológico tem que ser para beneficio da humanidade toda, em especial para os mais empobrecidos e fragilizados de nosso mundo. Por Mário E. Cornejo (aluno).



[1] Experimentación nazi en seres humanos Em: http://es.wikipedia.org/wiki/Experimentaci%C3%B3n_nazi_en_seres_humanos . Último acesso: 18/02/2012
[2] AFP. Guatemala. Guatemala presentará informe sobre experimentos médicos de EE.UU. Em: http://www.google.com/hostednews/afp/article/ALeqM5gPYWZDwfEPnLm-oJG5Is-gAV_rOw?docId=CNG.68fb5398b18b4c583f703dae7ecfb4fd.1e1 Último acesso: 18/02/2012
El Nuevo Diario. Indignación en Guatemala tras revelarse experimentos de EE.UU. Em: http://www.elnuevodiario.com.ni/internacionales/84744 Último acesso: 18/02/2012
[3] Também dentro dos EE.UU., entre 1932-1972, houve uma pesquisa similar sobre a sífilis. 399 cidadãos afro-americanos (muitos analfabetas) foram enganados para deixar a sífilis sem tratar para registrar o desenvolvimento da doença. Ver: Experimento Tuskegee. Em: http://es.wikipedia.org/wiki/El_experimento_Tuskegee Último acesso: 18/02/2012

Um comentário:

  1. Mário começa com que há de "melhor" na vida do homem, e termina com o que há que de "pior". Entretanto por mais que a riqueza seja um "bem" e a "pobreza" um mal, a realidade do filme (e tb na vida real) mostra que não é por alguém viver sob condições melhores possíveis de vida, que não seja possível praticar o mal. E é justamente essa maldade que não deveria teoricamente existir em pessoas (ou países) em condição de desenvolvimento superior a outros que esse artigo trabalha tão bem.
    Que exista riqueza e pobreza, mas que uma possa favorecer a outra e não o contrário; como aconteceu com o EUA e Guatemala e como acontece hoje nos países asiáticos ricos em petróleo com guerras financiadas pelos Estados Unidos. Enfim, é o que acontece também no coração do homem, ambicioso e egocêntrico quando se preocupa com o seu próprio bem, ser ver as consequências que isso pode acarretar a um outro semelhante.
    No entrave das questões éticas, a economia e o "bem" do capital fala mais alto. Essa relação presente no artigo está bem posta e deve fazer sempre parte de rejeitar os benefícios, por exemplo, de uma pesquisa que tem como base o malefício de seres humanos ou de qualquer ser vivo.
    Por isso a bioética tem que "ficar de olho" e as organizações de direitos humanos e ecológicos devem ficar atentos a que o horror do comunismo, nazismo ou qualquer outro sistema de governo venha superar o direito de vida e vida digna de qualquer ser.

    Hugo Galvão

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