De
qualquer maneira, os aspectos referentes à vida em sua totalidade tanto, na
libertação dela, quanto na primazia da mesma sobre tudo, se fazem presentes nas
duas tradições. Na tradição dos judeus e
na tradição dos cristãos. Por isso, os cristãos até reconhecem a sua tradição
como judeu-cristã, acentuando que o inefável se avizinha ao gênero humano e
como se não bastasse acaba se tornando um dos homens (cf. Ex, 33,11;
Jo15-14-15, Br 3,38 1-18).
Assim,
com os recursos que são próprios da humanidade, ambas as tradições[1]
no uso natural de seus meios tentam expressar experiências sobrenaturais. Ou
seja, experiência que rompem com categorias de espaço circunscrito e do tempo
matematizador. Experiências e vivências que podemos nomear de atemporais. Essa
transmissão se deu e se dá com o uso da linguagem. Dialogicamente por metáforas
e por contos, por mitos e por histórias que querem dizer mais do que dizem.
(cf.Gn1, 26). Nesta construção de narrativas da experiência humana a liberdade humana
segue para a plenitude do devir[2].
E a vida revela o profundo sentido que tem a partir da “ingênua” experiência do
povo simples.
Os
antigos, na base da observação espontânea da natureza, já haviam percebido o
dinamismo da vida e da natureza e, por isso, atualizavam seus códigos de normas
às diversas circunstâncias existentes. Aos poucos também, perceberam o
ordenamento complexo e hierárquico, pelo o qual as partículas elementares eram
ordenadas constituindo compostos físicos formando assim os viventes. Esta
observação antiga revela a capacidade de percepção humana desde a antiguidade. Porém,
não só a capacidade de percepção do homem, mas a razão humana em seu
funcionamento, a reflexão problematizando o cosmo, o mundo e a vida na
sociedade. Assim, hoje no século XXI, podemos dizer que: “Não há nada de novo
debaixo do sol”. (Ecl 1,9).
A
novidade do século XXI são os modos, os meios que são utilizados para se fazer
as observações e problematizar a vida, o cosmo, as relações humanas. As motivações
e finalidades são outras que revela certo utilitarismo e pretensão,
individualismos nas relações. As vidas existentes, muitas vezes, são submetidas
a rigores metódicos tanto religiosos quanto científicos, e logo se instaura o
endeusamento científico e a ditadura religiosa. Isso se mostra mais
transparente a partir de uma analise fenomenológica de discursos e posturas no
que tange ao tratamento da vida, nas relações entre religiões e seus membros e
no cuidado da humanidade com o mundo.
Hoje,
fala-se e discursa-se muito sobre pluralidade de culturas, sobre diversidades
de opiniões e variedades de ciências e, portanto, sobre os inúmeros modos de
abordar a realidade contemporânea. Assim a partir desta complexidade
contemporânea se percebe um crescimento de fator prepondera a cada instante. O
fator da incredulidade e desrespeito da vida e das relações. Muitos não mais acreditam em um Deus da vida e
um Deus libertador que é relação por excelência e sim em deuses diferentes.
O
deus de motivações particulares de políticos e governantes. O deus da utilidade
própria de modelos de pesquisas que, em busca de descoberta, relativiza a vida
e o ecossistema. O deus da desigualdade social e da má distribuição rendas
entre as classes sociais que têm raízes na pretensão de uma minoria mundial. O
deus que cria multidões de excluídos em benefício de uma minoria detentora do
poder intelectual e material financeiro. Um deus possessivo de descobertas
científicas que deveriam emancipar o homem e suas relações. A deusa razão que,
às vezes, pensa açambarcar a totalidade da vida e do mundo. O deus moralista
que pensa, ilusoriamente, conseguir a todo instante legiferar as ações humana prescrevendo normas
que sirvam como regulamento para todas vidas de diversos povos, raças, etnias e
opções.
Todas
essas imagens instauram no mundo contemporâneo uma única figura, a imagem de um
deus opressor. Por isso, urge uma ética ou, melhor uma bioética da libertação.
Libertação de vícios e tendências que coloca a todos em um risco de um colapso. Continua... (Vagner Moreira da Silva)
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